O que realmente importa nas profecias bíblicas acerca do Oriente Médio?

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[Conflitos em Ghouta, na Síria, em 2018]
Nos últimos dias, com o aumento da violência na Guerra Civil Síria, muitos cristãos têm usado as redes sociais para questionar se o que tem ocorrido hoje não seria o cumprimento da profecia bíblica de Isaías 17. Segundo o texto do Antigo Testamento, Deus traria tamanho juízo sobre a Síria que Damasco deixaria de ser uma cidade e seria reduzida apenas a um montão de ruínas.  Logo, para alguns que crêem que a profecia está se cumprindo agora, caberia aos cristãos entenderem a Guerra da Síria como uma forma do juízo de Deus sobre um povo iníquo.
Compreender as profecias bíblicas do Antigo Testamento, no entanto, não é uma tarefa fácil, seja em virtude de sua linguagem poética ou principalmente em virtude do contexto em que foram escritas. O assunto é tão complexo que divide até mesmo estudiosos do campo acadêmico da teologia. Com relação a Isaías 17, por exemplo, há teólogos notáveis que vêem o seu cumprimento como tendo ocorrido cerca de 2.700 anos atrás, no século VIII antes de Cristo, em um relato que pode ser encontrado no texto bíblico de II Reis 16.1-9. Outros teólogos, por outro lado, crêem que a profecia não se cumpriu em sua totalidade nesse evento. Portanto, ainda aguardaria um cumprimento futuro. Cumprimento esse, que ocorreria no final dos tempos, próximo à vinda de Cristo.
Para que os sustentam a primeira visão, a que chamamos de preterista, a profecia não teria portanto nenhum significado para o que tem ocorrido no Oriente Médio hoje. Para aqueles que sustentam a segunda visão, chamada de futurista, embora a profecia ainda não tenha se cumprido, o seu cumprimento também não se dá no atual conflito, uma vez que ocorrerá em um contexto específico da volta de Jesus que ainda não foi manifesto no cenário atual.
Diante desse debate, o que me chama atenção é o fato como muitos cristãos que procuram interpretar a Bíblia à luz de fatos recentes cometem equívocos não apenas de ordem teológica, mas principalmente de ordem moral e prática. Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, e a sua conquista de Jerusalém, em 1967, durante a “Guerra dos Seis Dias”, tem sido comum que cristãos se utilizem de profecias bíblicas para analisar o contexto do Oriente Médio e assim justificarem suas preferências políticas acerca da região. Ao fazerem isso, muitas vezes, além de deturparem textos bíblicos, mostram-se insensíveis ao sofrimento real de pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus.
Enquanto um cristão que estuda a política internacional do Oriente Médio, sustento a visão de que todos os conflitos na região são primariamente um resultado de nossa natureza pecaminosa. Logo, as coisas são bem mais complexas do que muitas vezes a mídia tenta nos mostrar. Não existe um único lado que seja “inocente” e todos estão propensos a cometer crimes de guerra e atrocidades contra civis. Assim, não cabe a nós simplesmente adotar um posicionamento político e tentar sustentá-lo com base em interpretações de profecias bíblicas. Pelo contrário, a nossa maior preocupação deveria ser com os indivíduos que sofrem em ambos os lados de qualquer conflito, seja ele a Guerra Civil Síria, o conflito Israel-Palestina ou a crise humanitária no Iêmen.
É difícil aos cristãos chegarem a um consenso com relação a questões políticas e teológicas, principalmente quando se trata de Oriente Médio. Entretanto, acredito que há uma profecia no livro de Isaías, dada juntamente com a profecia contra Damasco, que se aplica ao Oriente Médio contemporâneo e que deveria nortear a forma como olhamos para a região.
No capítulo 19 do Isaías, após profetizar um oráculo de juízo contra o Egito, assim como havia feito com a Síria, no capítulo 17, o profeta afirma:

Naquele dia haverá uma estrada do Egito para a Assíria. Os assírios irão para o Egito, e os egípcios para a Assíria, e os egípcios e os assírios cultuarão juntos.
Naquele dia Israel será um mediador entre o Egito e a Assíria, uma bênção na terra.
O Senhor dos Exércitos os abençoará, dizendo: “Bendito seja o Egito, meu povo, a Assíria, obra de minhas mãos, e Israel, minha herança”. – Isaías 19.23-25

Novamente, pelo fato de ser uma profecia, não há um consenso entre os teólogos acerca do cumprimento dessa profecia. A maioria, no entanto, embora discorde como será o seu cumprimento, acredita que é algo que ainda não ocorreu. Alguns sustentam que isso ocorrerá no final dos tempos, quando o mundo experimentará um longo período de paz e prosperidade antes da vinda de Jesus. Outros, por sua vez, crêem que isso acontecerá de modo literal após a vinda de Jesus, quando ele estiver reinando de forma física sobre a terra, a partir de Jerusalém. Há ainda, aqueles que acreditam que isso já está acontecendo hoje à medida que o Evangelho tem sido pregado às pessoas nessa região, o que teve início ainda no século I, após a ascensão de Cristo como relata Atos 2, tendo o seu cumprimento final na eternidade.
O que todas essas visões têm em comum, no entanto, é o fato de que a Bíblia deixa claro que há esperança para o Oriente Médio e que Deus tem um plano de redenção que envolve todos os povos da terra, sejam eles sírios, israelenses, palestinos, iraquianos ou iranianos. Essa profecia, portanto, deveria nos encorajar a evitarmos nos envolvermos em discussões tolas de internet acerca do que seria ou não um julgamento de Deus e lembrar que junto com as promessas de juízo, os profetas do Antigo Testamento sempre apontaram para a justiça e salvação que um dia viriam por meio de Cristo. É a isso que devemos nos ater, é isso o que realmente importa nas profecias bíblicas sobre o Oriente Médio. Como cristãos, o nosso dever é chorar com os que choram e ser as mãos e os pés de Cristo em um mundo mau e perdido.
Nós, cristãos brasileiros, podemos fazer muito pelos civis sírios, principalmente pelas crianças. Uma das formas de fazermos isso, certamente não é por meio das redes sociais, ao compartilharmos imagens que nem sempre são reais e que, muitas vezes, servem apenas para alimentar interesses políticos ocultos. O governo brasileiro tem se posicionado de maneira bastante louvável diante da crise política na Síria, oferecendo visto humanitário para sírios e destinando recursos financeiros para organizações humanitárias da ONU. No entanto, podemos fazer muito mais. A ANAJURE é hoje o representante da sociedade civil brasileira na Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal. Neste ano de 2018, pretendemos realizar ações específicas na Síria, junto com a Embaixada Brasileira de Damasco. Para isso, no entanto, precisamos cada vez mais do apoio e das orações dos evangélicos brasileiros.
 
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Por Igor Sabino – Secretário executivo do ANAJURE Refugees

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