Nota pública sobre a negativa da DPU/SP à participação em audiência pública sobre recusa terapêutica

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O Conselho Diretivo Nacional – CDN da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, vem, através do presente expediente, expor à sociedade e aos órgãos e entidades públicas sua posição quanto à postura da DPU/SP de restringir a participação em audiência pública sobre a Resolução n. 2.232/2019, do CFM, a pessoas e entidades previamente escolhidas pela instituição.

 

  1. SÍNTESE FÁTICA

 

Em 16 de setembro de 2019, o Conselho Federal de Medicina emitiu a Resolução n. 2.232/2019, que estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente.

Considerando o teor do documento, o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da DPU/SP e a Defensoria Regional de Direitos Humanos da DPU/SP decidiram emitir Recomendação[1] sobre o texto elaborado pelo CFM.

A DPU/SP também tomou como encaminhamento, em parceria com a DPE/SP, a convocação de audiência pública para tratar da temática junto à população, conforme publicação, do dia 21 de outubro, contida no Diário Oficial da União[2]. A audiência foi agendada, no edital, para o dia 7 de novembro de 2019, das 13h às 18h, no Auditório da Defensoria Pública da União em São Paulo.

O objetivo da audiência será apresentar à sociedade civil, especialmente às mulheres, a Recomendação já mencionada acima. Nesse ponto, destaque-se as orientações emitidas por meio do referido documento:

 

Art. 1º Tornar pública a convocação de audiência pública para tratar da Resolução 2.232/19 do CFM e I) o equilíbrio da relação médico-paciente, ou seja, o dever do médico e o direito do paciente em ter a mais ampla informação acerca dos tratamentos disponíveis ao seu caso, o respeito à autonomia, autodeterminação, à vontade e o prévio consentimento do paciente acerca do tratamento a ele oferecido ; II) a definição estrita das hipóteses nas quais o médico pode alegar escusa de consciência e o procedimento a ser adotado em casos tais, de forma a assegurar o sigilo médico-paciente; III) as hipóteses, se é que há, nas quais se permita ao médico discordar da recusa terapêutica manifestada pela gestante e possibilite que o médico adote o critério a partir da perspectiva do binômio mãe/feto, notadamente quando tais procedimentos possam causar danos físicos ou psíquicos à mulher e firam os seus direitos à autodeterminação, autonomia e prévio consentimento (…). (Grifo nosso).

 

Segundo fixado no instrumento convocatório, a participação popular se dará nos seguintes termos:

 

Art. 5º Serão convidadas a participar da audiência pública, compondo a mesa de trabalho na qualidade de expositoras, pessoas representantes de entidades que tenham acúmulo ou experiência com a temática:

  • 1° Cada exposição será de até 15 (quinze) minutos, com tolerância de até 3 (três) minutos, sendo facultado consignar o teor de sua fala por escrito, com juntada ao Processo de Assistência Jurídica objeto da audiência pública, para fins de instrução.
  • 2º A audiência pública será transmitida ao vivo, pelo Facebook da Defensoria Pública da União, permanecendo o vídeo gravado nas páginas do Facebook e do YouTube da Defensoria Pública da União.

Art. 6º Qualquer pessoa interessada poderá acompanhar os trabalhos da audiência pública, bem como apresentar esclarecimentos, observações ou questionamentos, conforme disposição deste Edital. (Grifo nosso).

 

Diante da relevância da temática, a ANAJURE buscou se inscrever para colaborar durante a audiência, como expositora. Após envio de requerimento à DPU/SP, obtivemos como resposta uma negativa, sob a justificativa de que os convites aos expositores já haviam sido expedidos e que não haveria novos convites, restando, apenas, a possibilidade de apresentar memoriais escritos. Pedimos a reconsideração da decisão, recebendo nova negativa. Fomos informados de que a audiência está sendo organizada por duas distintas instituições, a DPU/SP e a DPESP, e que estas já acordaram previamente a lista de expositores e de convidados para indicarem expositores.

É o que importa relatar.

 

  1. DA POSIÇÃO INSTITUCIONAL DA ANAJURE

 

A Constituição Federal de 1988 estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político (art. 1º, V). Esse dispositivo, nos dizeres de Alexandre de Moraes, “(…) demonstra a preocupação do legislador constituinte em afirmar-se a ampla e livre participação popular nos destinos políticos do país, garantindo a liberdade de convicção filosófica e política e, também, a possibilidade de organização e participação em partidos políticos[3].

Ainda em termos conceituais, destacamos a íntima conexão entre pluralismo e democracia, aproveitando as lições de Bernardo Fernandes:

 

O pluralismo decorre de um desdobramento do princípio democrático, autorizando em uma sociedade a existência de uma constelação de convicções de pensamento e de planos e projetos de vida, todos devidamente respeitados. Isso significa que o Estado não pode desautorizar nem incentivar nenhum. Todos têm o mesmo direito e liberdade de existência e proliferação no ambiente social. Traz também a noção e o respeito à alteridade, nos fazendo sempre perceber que o diferente é necessário[4].

 

Assim, cabe ao Estado brasileiro pautar a sua atuação considerando a existência de diferentes perspectivas na sociedade. Isso inclui ações estatais como a promoção de audiências públicas, a exemplo da situação tratada na presente Nota. Diante de assunto de relevância, como a recusa terapêutica e a objeção de consciência – os quais repercutem em temas como binômio mãe-feto, aborto e liberdade de pensamento –, e inexistindo consenso, o mais prudente é que a propiciação de espaços de discussão tenha contornos nitidamente plurais e democráticos.

A postura da DPU/SP e da DPE/SP, de restringir a exposição a pessoas e entidades previamente escolhidas e de negar a participação de indivíduos que se disponham a colaborar, vai na contramão de uma perspectiva fundada no pluralismo e na democracia, além de ferir a imparcialidade que deve ser peculiar à Administração Pública. Andariam melhor, as duas instituições, se fixassem, no edital, critérios claros a respeito do procedimento de eleição dos indivíduos aos quais se concederá fala durante a audiência. Não agindo assim, além das ofensas já mencionadas, há desrespeito à noção de transparência, que deve nortear o serviço público.

 

III. DA CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, a ANAJURE manifesta o seu repúdio frente à postura da DPU/SP e da DPE/SP de promover audiência pública sem observar diretrizes essenciais como o pluralismo político, a democracia, a imparcialidade e a transparência, negando a participação de pessoas e entidades que objetivavam auxiliar na diversificação do debate.

 

Brasília, 07 de novembro de 2019

 

Dr. Uziel Santana dos Santos

Presidente da ANAJURE

 

[1] https://www.dpu.def.br/images/stories/pdf_noticias/2019/SP_DRDH_recomendacao_CFM

[2] http://www.in.gov.br/web/dou/-/edital-n-1-de-15-de-outubro-de-2019convocacao-para-audiencia-publica-222856891

[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

[4] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2014.

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