ANAJURE emite NOTA PÚBLICA sobre o vazamento ilegal de diálogos privados da equipe de Procuradores da Operação Lava-Jato

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O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) vem, por seu Presidente abaixo subscrito, manifestar-se sobre a notícia veiculada na noite desse domingo (9) pelo site Intercept Brasil[1], que tem por objeto o hackeamento de aplicativo pessoal de troca de mensagens, e posterior vazamento de comunicações privadas de Procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, entre eles o Dr. Deltan Dallagnol, envolvendo também o então Juiz Federal, Dr. Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil.

A acusação feita é de que o conteúdo revelaria que “o então juiz federal foi muito além do papel que lhe cabia quando julgou casos da Lava Jato”, agindo “como se ele fosse um superior hierárquico dos procuradores e da Polícia Federal”, o que feriria, segundo o portal, o princípio da imparcialidade, típica do exercício judicante, e desqualificaria o magistrado, quando estava na condução dos processos da Operação Lava-Jato.  Afinal, no sistema acusatório do processo penal brasileiro “cabe ao juiz analisar de maneira imparcial as alegações de acusação e defesa, sem interesse em qual será o resultado do processo”.

Durante a segunda-feira (10), algumas organizações se manifestaram, dentre as quais citamos a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)[2], Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)[3], a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná[4], o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Colégio de Presidentes de seccionais da OAB[5].

Diante da repercussão da notícia, e buscando trazer esclarecimentos técnicos à sociedade civil sobre o ocorrido, a ANAJURE expõe, nas linhas que seguem, suas considerações e comentários.

1. Na prática diária da atividade forense, no âmbito, inclusive, de processos penais, é comum haver comunicações entre advogados, juízes e membros do Ministério Público, especialmente quanto a teses jurídicas desenvolvidas ao longo do processo, sem que haja, simplesmente pela ocorrência de diálogo entre as partes e o juiz, induzimento ou conluio entre as autoridades. Em outras palavras, o fato de ocorrerem diálogos entre o Ministério Público e o Juiz a respeito de determinado processo não significa, per si, conluio ou tentativa de induzimento, de modo a invalidar o processo e as decisões tomadas. Trata-se, em suma, do Estado-juiz em diálogo com o Estado-acusação para a melhor resolução do caso. Tanto é assim que, nas próprias sessões de julgamento, o assento do membro do Ministério Público dá-se ao lado direito do Magistrado[6]. Por óbvio, comunicações que busquem induzir ou coagir o órgão julgador devem ser investigadas e punidas, o que não se observa no presente caso, conforme se demonstra a seguir. 

2.Analisando o conteúdo das mensagens que foram trocadas, não há, tecnicamente, revelações que comprometam a integridade dos processos ou das pessoas envolvidas. O que se vê, inclusive, em algumas mensagens, é a divergência de posições entre o MP e o juiz, o que se tem observado durante toda a Operação Lava-Jato, constatado pela grande quantidade de absolvições em processos que o Ministério pedia a condenação do réu, bem como os múltiplos recursos interpostos pelo Parquet em face de decisões judiciais de 1º grau, de modo que não há que se falar em conluio entre MP e Juiz.

Destaca-se que os Drs. Dallagnol e Moro trabalharam próximos durante anos, e, assim, construíram laços de cordialidade. É normal, dessa forma, que tivessem desenvolvido proximidade, o que não se confunde – e aí, sim, inadmissível – com a intromissão ou conluio de funções;

3. Uma república democrática baseia sua sobrevivência, dentre outros elementos, no respeito que se deve ter para com as instituições que lhe dão sustentáculo. No presente caso, percebe-se, de modo latente, uma ação criminosa, de invadir e clonar aparelhos celulares e contas em aplicativos de comunicação de membros do Ministério Público Federal, um dos órgãos mais importantes do nosso país, além de haver indícios de que o suspeito tenha se utilizado de falsa identidade para obter a “confiança de seus interlocutores e assim conseguir mais informações”. Tudo isso demonstra um ato afrontoso que merece a imediata e justa reprimenda[7].

Nesse sentido, enfatizamos que os referidos documentos foram obtidos ilicitamente, de modo que são completamente nulos os seus efeitos jurídicos (art. 5, incisos XII e LVI, da CF/88 e do art. 157 do Código de Processo Penal), mais ainda, é necessário que o agente causador seja punido pela “obtenção ilícita de dados e informações e a interceptação ilegal de conversas pessoais”, nos termos do art. 154-A, §§ 3º e 4º do Código Penal, com pena de até 3 anos e 4 meses de reclusão, e no artigo 10 da Lei nº 9.296/1996, com pena de até 4 anos de reclusão;

4. Não bastando os argumentos acima explanados, destacamos que o portal de notícias que veiculou tais informações, o Intercept Brasil, já foi notificado pelo Departamento Jurídico da ANAJURE por uso indevido, de má-fé, de imagem de membros da ANAJURE[8], o que demonstra o histórico de um jornalismo inescrupuloso, sem a devida preocupação com a propagação da verdade.


O site tem se especializado, nos últimos anos, em criticar os rumos da Operação Lava-Jato. Entre 2017 e 2019, foram veiculadas no site, em levantamento realizado pela ANAJURE, 28 matérias contrárias à Operação Lava-Jato, não havendo qualquer menção à necessidade de combate à corrupção no país.

Ex Positis, a ANAJURE (i) reforça o seu compromisso com o combate à corrupção no país, bem como com os princípios norteadores do Direito Processual Penal, tais como o do devido processo legal, do juiz natural, da verdade real, entre outros; (ii) conclui, após análise das mensagens que foram vazadas, que os diálogos reforçam a legalidade, moralidade e eficácia dos atos dos agentes públicos que participaram das atividades da operação Lava-Jato; (iii) manifesta apoio à Operação Lava-Jato, ciente do alto grau de competência técnica com os quais os membros do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário têm trabalhado. (iv) pugna pela apuração e esclarecimentos quanto a eventuais crimes praticados na obtenção e divulgação das mensagens privadas.


Brasília, 11 de junho de 2019.


Uziel Santana

Presidente da ANAJURE


 

[1] https://theintercept.com/2019/06/09/chat-moro-deltan-telegram-lava-jato/

[2] https://www.ajufe.org.br/imprensa/noticias/12565-nota-publica-10-06-2019

[3] http://www.anpr.org.br/noticia/5791

[4] http://www.mpf.mp.br/pr/sala-de-imprensa/noticias-pr/forca-tarefa-informa-a-ocorrencia-de-ataque-criminoso-a-lava-jato

[5] https://www.oab.org.br/noticia/57275/nota-publica

[6]           Lei Complementar nª 75/1993:

Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União: I – Institucionais: a) Sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem.

Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:

Art. 41, LONMP: “Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício da sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: (…) XI – Tomar assento à direita dos Juízes de Primeira instância ou do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma”.

[7] http://www.mpf.mp.br/pr/sala-de-imprensa/noticias-pr/forca-tarefa-informa-a-ocorrencia-de-ataque-criminoso-a-lava-jato

[8] https://www.anajure.org.br/the-intercept-brasil-e-notificado-pela-anajure-por-usar-imagem-de-agenda-oficial-fora-de-contexto/

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