Nota Pública acerca Projeto de Lei que trata da aplicação de provas a alunos impossibilitados de comparecer à escola por motivos de crença religiosa

Sem título
O Conselho Diretivo Nacional – CDN da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, emite a presente Nota Pública acerca do Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara nº 130, de 2009 (PL nº 2.171, de 2003, na Câmara dos Deputados), de autoria do Deputado Rubens Otoni, que “Dispõe sobre a aplicação de provas e a atribuição de frequência a alunos impossibilitados de comparecer à escola, por motivos de liberdade de consciência e de crença religiosa”.
 
I – Do conteúdo do Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara nº 130, de 2009.
 
Em 2003, foi apresentado, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Nº. 2171, que, nos termos da sua Ementa, “dispõe sobre a aplicação de provas e a atribuição de frequência a alunos impossibilitados de comparecer à escola, por motivos de liberdade de consciência e de crença religiosa”.
Abaixo, trazemos à colação o Inteiro Teor do Projeto.

Art. 1º – É assegurado ao aluno, por motivo de liberdade de consciência e de crença religiosa, requerer à escola em que esteja regularmente matriculado, seja ela pública ou privada, e de qualquer nível de ensino, que lhe sejam aplicadas provas em dias não coincidentes com o período de guarda religiosa.
Parágrafo único – A escola fixará data alternativa para a realização da obrigação acadêmica, que deverá coincidir com o período ou o turno em que o aluno estiver matriculado, ou contar com sua expressa anuência se em turno diferente daquele.
Art. 2º – Poderá o aluno, pelos mesmos motivos previstos no Art. 1° desta lei, requerer à escola que, em substituição a sua presença em sala de aula, e para fins de obtenção de frequência, lhe seja assegurado que esta lhe seja dada em aula a ser ministrada em outro dia e horário, apresentar trabalho escrito ou qualquer outra atividade de pesquisa acadêmica determinados pela escola, observados os parâmetros curriculares e o plano de aula do dia de ausência do aluno.
Art. 3° – O requerimento solicitando a aplicação de verificação de aprendizado alternativo deverá ser feito após a divulgação da data e horário da prova e até 05 (cinco) dias da realização da mesma.
Art. 4° – No que concerne à substituição da sua presença na sala de aula, o requerimento deverá ser feito até 05 (cinco) dias após a apresentação, pela escola, do calendário escolar anual ou semestral, se for o caso.
Art. 5° – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Em 24 de junho de 2009, a matéria foi enviada para apreciação do Senado Federal, por meio do Ofício 715/09/PS-GSE, após aprovação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O Senado Federal ofereceu um Substitutivo ao Projeto de Lei, que manteve a essência aprovada na CCJC da Câmara, mas, ao invés de promover a criação de um diploma autônomo, optou corretamente pela mutação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela inserção do Art. 7-A.
A matéria retornou à Câmara para apreciação do Substitutivo oferecido pela Casa Revisora, e, atualmente, o PL aguarda deliberação na CCJC, estando pautado para a reunião deliberativa ordinária do dia 27/11/2018.
Nos termos do artigo inaugural do Substitutivo, a Lei nº 9.394/1996, de diretrizes e bases da educação nacional, passa a vigorar acrescida do art. 7-A, in verbis:

“Art. 7º-A. Ao aluno regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível, é assegurado, no exercício da liberdade de consciência e de crença, o direito de, mediante prévio e motivado requerimento, ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia em que, segundo os preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de tais atividades, devendo-se-lhe atribuir, a critério da instituição e sem custos para o aluno, uma das seguintes prestações alternativas, nos termos do art. 5º, inciso VIII, da Constituição Federal:
I – prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser realizada em data alternativa, no turno de estudo do aluno ou em outro horário agendado com sua anuência expressa;
II – trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega definidos pela instituição de ensino.
§1º A prestação alternativa deverá observar os parâmetros curriculares e o plano de aula do dia da ausência do aluno.
§2º O cumprimento das formas de prestação alternativa de que trata este artigo substituirá a obrigação original para todos os efeitos, inclusive regularização do registro de frequência.
§3º As instituições de ensino implementarão progressivamente, no prazo de 2 (dois) anos, as providências e adaptações necessárias à adequação de seu funcionamento às medidas previstas neste artigo.
§4º O disposto neste artigo não se aplica ao ensino militar a que se refere o art. 83 desta Lei.”

 
II – DO DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE RELIGIOSA
 
A proteção da liberdade religiosa constitui-se um dos pilares do Estado Democrático de Direito, erigido pelas Constituições modernas como um Direito Humano Fundamental, que compreende as liberdades de consciência, pensamento, discurso, culto, e organização religiosa, tanto na esfera pública, quanto na esfera privada.
Assim sendo, todo indivíduo tem o direito de professar sua crença e seguir seus ritos como expressão do direito humano à liberdade religiosa, incorporado no pensamento jurídico pela primeira vez por meio da Declaração de Direitos do Estado da Virgínia em 1776 – “todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião, segundo a ordem pública estabelecida pela lei”[1] e mais tarde por diversas constituições e diplomas legais em âmbito internacional, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)[2], o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966)[3], a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969)[4], a Convenção Europeia de Direitos Humanos (1953)[5] e a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação Baseadas em Religião ou Crença (1981)[6].
A liberdade religiosa é, simultaneamente, um direito humano fundamental e um princípio informador dos ordenamentos jurídicos nacionais, o que reclama uma série de efeitos e consequências jurídicas nas instituições sociais e políticas. Nesse sentido, deve informar toda a ordem normativa do Estado, desde as normas constitucionais até os documentos infra legais, além de qualquer pronunciamento jurisdicional, a nível nacional ou local. O princípio da liberdade religiosa deve informar, ainda, qualquer atividade política, social, econômica e cultural desenvolvida ou patrocinada pelo Estado, de modo que todas as atividades executadas em seu território devem resguardar a liberdade religiosa.
O Artigo 5° da Constituição Federal, no inciso VI, declara a inviolabilidade da “liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Ademais, o inciso VIII do mesmo artigo determina que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se da obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa fixada em lei”.
O intuito do Poder Constituinte Originário, ao prever tais disposições, foi o de assegurar ao cidadão o direito de prestar serviço alternativo frente à obrigação que colide com suas convicções – sejam elas religiosas, filosóficas ou políticas.
Por essa razão que a Carta Magna, em seu Artigo 143, assegura competência às Forças Armadas para “atribuir serviço alternativo aos que, em tempos de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar”.
Conforme exposto na Justificação do PL em apreço, com a qual estamos de acordo, a proposição tem como meta regulamentar situações outras que, a exemplo do serviço militar, possam ensejar alegação de imperativo de consciência por motivo de crença religiosa, filosófica ou política: “Especificamente, tratamos da situação dos Protestantes, dos Adventistas do Sétimo Dia, dos Batistas do Sétimo Dia, dos Judeus e de todos os seguidores de outras religiões que guardam o período compreendido desde o pôr do sol da sexta-feira até o pôr do sol do sábado em adoração divina. E que por isso, por seguirem a risca as determinações das religiões que professam, frequentemente são vítimas de um dilema: cumprem as suas obrigações escolares e desrespeitam as suas crenças religiosas ou, de forma inversa, mantêm suas convicções religiosas com grandes e graves prejuízos à sua formação intelectual e profissional?”
No caso do educando, portanto, observa-se uma lacuna em nossa legislação, pois não há a devida compatibilização legal do direito à educação e o respeito à liberdade de consciência e de religião. Dessa maneira, resta ferida a liberdade religiosa do estudante e, por conseguinte, de sua família, se não lhes é garantido na prática participar da vida religiosa sem perdas e sacrifícios na vida escolar.
Com razão, assevera o voto da Relatora do PL na CCJC, Deputada Maria do Rosário: “A educação de uma pessoa jamais pode se estabelecer à custa do sacrifício da integração pessoal no projeto filosófico religioso que professa. É necessário compatibilizar essas esferas como integrantes da indivisibilidade dos Direitos Humanos. A decisão por participar de uma religiosidade é estritamente pessoal em geral construída nas tradições e crenças da família. Notemos que a Lei Maior não protegeu apenas a liberdade de crença, mas também de consciência, o que obviamente inclui não ter crença alguma, ressaltando o caráter laico do Estado brasileiro. De modo que os dois direitos, de educação e de crença, não podem ser mutuamente excludentes, devendo as políticas educacionais dar-lhes a máxima efetividade.”
O Substitutivo do Senado Federal, ao nosso ver, tem o mérito de superar a incongruência que se mantém na dimensão escolar brasileira, que não conta com uma legislação que assegure a cada aluno exercer a religiosidade da qual participa, sem prejuízos pedagógicos e administrativos.
Cumpre ressaltar, ainda, que a propositura legislativa protege igualmente a todas as religiosidades, sem discriminação de nenhuma ordem, garantindo ao estudante participar de suas sagradas tradições sem prejuízos na vida escolar e académica. Assim, a matéria alcança, em primeiro plano, as religiões sabatistas, que incluem adventistas, batistas do sétimo dia etc., mas também outros casos significativos na realidade brasileira, que dizem respeito, por exemplo, às peculiaridades das comunidades judaica e muçulmana, assim como aos membros das religiões de matriz africana, que por vezes possuem períodos de recolhimento para a prática de seus preceitos religiosos, contato com o sagrado e preservação e prática de seus cultos e tradições.
 
III – CONCLUSÃO E ENCAMINHAMENTOS
 
Ex positis, o Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE considera que o Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara nº 130, de 2009 (PL nº 2.171, de 2003, na Câmara dos Deputados) representa um avanço para a proteção da liberdade religiosa no país, na medida que vem regulamentar um direito constitucionalmente previsto – permitindo àqueles que, por convicções religiosas, guardam um dia da semana para adoração divina, possam continuar a fazê-lo sem prejuízo de suas obrigações profissionais e escolares, e nesse sentido, RESOLVE:

a) Manifestar-se favoravelmente à aprovação e sanção presidencial do Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara nº 130, de 2009 (PL nº 2.171, de 2003, na Câmara dos Deputados);
b) Encaminhar a Presente Nota Pública aos membros da CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara dos Deputados.
c) Recomendar aos membros da CCCJ que votem pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do referido Substitutivo.
 

 
Brasília, 26 de novembro de 2018.
 
Dr. Uziel Santana
Presidente da ANAJURE
 
 
Dr. Felipe Augusto Carvalho
OAB-PB 21582
Assessor Jurídico da ANAJURE
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[2] DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela resolução 217; A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, art. 18. Disponível em: http:/portal.mj.gov.be/sedh/c            t/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm.
[3] Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966. Art. 18. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm
[4] CONVENÇÃO Americana de Direitos Humanos (1969) Pacto de San José da Costa Rica, art. 12. Disponívelem:http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm.
[5] Convenção Europeia de Direitos Humanos 1953, art. 9º. Disponívelem:http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm.
[6] Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação Baseadas em Religião ou Crença. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1981.

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